Cardeal de SP comenta leilão da virgindade de jovem brasileira
Artigo de Dom Odilo Pedro Scherer
Arquidiocese de São Paulo
Cardeal de SP comenta leilão da virgindade de jovem brasileira
Eu teria preferido escrever sobre
outro assunto nesta semana, mas o leilão da virgindade de uma jovem
brasileira, amplamente divulgado pela imprensa, requer uma reflexão. É
um fato chocante e, ao mesmo tempo, parece tão banal que, talvez, só
chamou a atenção porque o leilão aconteceu de maneira aberta, pela
internet, e porque o valor do arremate foi alto. Um jovem russo tentou a
mesma façanha; chamou a atenção pelo seu insucesso, pois a oferta foi
muito baixa; ele desistiu do leilão e ficou deprimido.
Afinal,
o que está acontecendo? Pessoas colocam livremente a própria dignidade
em leilão em troca de dinheiro? O fato foi acompanhado com curiosidade
morbosa e até com torcida, para ver até aonde a oferta chegaria. Chocar,
por quê? Nas calçadas de certas ruas da cidade e em tantas “casas do
amor” não acontece o mesmo todos os dias, sem que isso chame a atenção,
ou cause consternação em ninguém? Há mesmo quem queira legalizar a
prostituição, como se fosse uma profissão qualquer. Tudo se resolve no
nível econômico, também para traficar pessoas, reduzi-las a escravas,
vender bebês, comerciar órgãos humanos...
E
há quem compre ou venda votos nas eleições, comprando ou vendendo a
própria dignidade; e também quem suborne a Justiça, pondo em liquidação a
própria consciência; há quem compre armas, use-as contra os outros,
faça violência, mate, tudo pela vantagem econômica. E há quem trafique
drogas, lucrando com o comércio da morte; e quem, simplesmente, vai
roubando o que é dos outros ou de todos: tudo pela vantagem econômica
que está em jogo...
Grande
novidade nisso tudo não há; coisas que sempre aconteceram. O novo é
que, sem nos darmos conta, estamos assimilando uma cultura do mercado,
na qual o fator econômico passou a ser o referencial maior: de uma
cultura de valores éticos e morais, para uma cultura do valor econômico;
o bem maior parece ser a vantagem econômica, que tudo permite e
legitima, amolecendo qualquer resistência do senso moral. Tudo fica
justificado, se há vantagem econômica. Aonde vamos parar?
Está
mais do que na hora de colocar tudo isso em discussão novamente; será
que essa tendência cultural vai levar a um aprimoramento das relações
humanas? A uma dignidade maior no convívio social? A uma valorização
real das pessoas, ao respeito pela justiça e a paz? Provavelmente não.
Certamente não. O ser humano, avaliado, sobretudo, na ótica da razão
econômica, deixa de ser pessoa e vira objeto quantificável.
Nisso
também não há grande novidade; no passado, houve a exploração dos
escravos, dos operários, das mulheres. Mas, sob protesto. O preocupante,
agora, é que essa maneira de ver e fazer passe por aceitável e normal e
a própria pessoa “objetizada”, outrora considerada vítima, agora seja
vista como um sujeito autônomo e livre, que faz o que quer, também com
sua própria dignidade; e tudo vai bem assim...
Voltaremos
às feiras em que se vendem escravos? Livremente expostos à venda,
aliás, ao leilão? O leilão da virgindade, por internet, é um fato que
deve preocupar educadores, juristas, filósofos... Da curiosidade
morbosa, é preciso passar à reflexão, talvez com um pouco mais de
vergonha diante do que está acontecendo. Nossa dignidade comum está
sendo leiloada! É deprimente!
Cardeal Odilo Pedro Scherer
(FONTE: CANÇÃO NOVA)
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