Uma lição simples e profunda
Com reverência e grande apreço, somos agradecidos
pelo pontificado de Bento XVI que, como sucessor do apóstolo Pedro,
ajudou a Igreja, em tempos de aceleradas mudanças e enormes desafios
humanitários, a
cumprir sua tarefa missionária: anunciar o Evangelho da
vida, para fazer de todos discípulos e discípulas de Jesus Cristo.
O agradecimento reverente projeta luzes sobre um ministério exercido
com extrema lealdade, humildade edificante, cultivado a partir de uma
sabedoria temperada, admirável envergadura intelectual aliada a uma
espiritualidade reveladora de uma profunda intimidade com Deus. Essas
qualidades de Bento XVI, para além das vicissitudes humanas enfrentadas
nas instituições todas, produzindo desafios relacionais e existenciais,
traçou para a Igreja horizontes que a capacitaram ainda mais no
enfrentamento das questões fundamentais da fé no seu diálogo
imprescindível com a razão.
Um caminho exigente, na contramão
de uma religiosidade entendida e vivida como mágica milagreira ou como
lugar da conquista e de exercícios inadequados do poder que seduz,
desfigura e distancia-se da condição de todos como servos da vinha do
Senhor. Há de se recordar que Bento XVI, em 2005, dirigindo-se pela
primeira vez à multidão presente na Praça de São Pedro, delineia a
consciência clara de seu entendimento sobre sua pessoa e sobre seu
ministério iniciante como sucessor de Pedro. Ele se apresenta - como não
pode deixar de ser a apresentação dos discípulos de Jesus, sejam quais
forem as circunstâncias, cargos, ofícios e responsabilidades - como
simples servo da vinha do Senhor, chamado naquele momento ao exigente
serviço como Papa.
Esse simples servo, com envergadura moral,
intelectual e espiritual de gigante na fé, dialogou com seu Deus, em
confiança amorosa, para decidir, por iluminação própria da fé e da
inteligência, que era um bem maior concluir sua tarefa no ministério
petrino. Sua renúncia causou, naturalmente, comoção e reações de grande
surpresa. Ninguém destes tempos vivera uma situação semelhante. O
inusitado da renúncia de um Papa, na realidade dos tempos atuais, em se
considerando os enormes desafios vividos pela Igreja Católica, no
enfrentamento de questões espinhosas, como a chaga da pedofilia, ou no
diálogo com o mundo, quando se pensa a secularização e o relativismo
ético, projetou um oceano de conjecturas e suposições.
No
turbilhão de hipóteses e análises, muitas delas inadequadas, maliciosas e
até perversas, uma luz de razão e humanismo focaliza a dimensão da fé. A
renúncia do Papa Bento XVI desenha no horizonte da Igreja e também da
sociedade contemporânea a mais genuína e indispensável lição do
Evangelho. Sua renúncia se assenta, antes de tudo, na confiança no seu
Mestre e Senhor e na mais qualificada conquista espiritual de
simplicidade e humildade. Estas virtudes geram a coragem do desapego, a
alegria da liberdade e a consciência lúcida do seu lugar, agora como
orante no acompanhamento e sustento da Igreja na sua missão.
Houve quem jogou a hipótese de uma “descida da cruz”. Bento XVI,
sabiamente e de modo sereno, ajusta a possível incompreensão, ponderando
que não desceu da cruz, mas está aos pés do crucificado. Sublinha sua
condição de discípulo e servo, jamais de Senhor e Salvador. A lição é
desconcertante e interpelante. Não simplesmente porque é inusitado um
Papa renunciar, mas, sobretudo, porque remete ao mais genuíno sentido de
humildade e desapego para ajudar a humanidade e, particularmente, a
Igreja no exercício mais essencial de seu peregrinar, aquele de fixar
mais, acima de tudo, seu olhar em Jesus, o Salvador.
Este é o
ensinamento que Bento XVI nos oferece como testemunho de fé, de sábia
localização da condição humana nas mãos e no coração de Deus. Uma lição
simples e profunda. Deus fez de Bento XVI um instrumento para indicar ao
mundo contemporâneo e à sua Igreja que o terror da falta de sentido, os
absurdos das lutas pelo poder, a desqualificação humana produzida pela
maledicência e pelas arbitrariedades só têm cura quando se elege este
lugar de simples servo da vinha para viver e para ser. Esta lição,
aprendida e vivida, dará rumo novo à sociedade e à Igreja. Somos
agradecidos, Bento XVI.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo Arcebispo
metropolitano de Belo Horizonte
Leia hoje: Daniel 3,25.34-43
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